Covid-19: aldeia indígena no Xingu zera mortes com auxílio de aplicativo e posto de saúde

A aldeia Ipatse, uma das comunidades indígenas do Xingu, conquistou um grande marco em meio a pandemia da Covid-19: zerar o número de mortes pela doença entre o seu povo. Os Kuikuros se mobilizam há seis meses para lidar com a atual situação.

Os indígenas sofrem com um sistema de saúde mais frágil, que não alcança as áreas próximas da aldeia. Por isso, um aplicativo de celular foi desenvolvido para divulgar casos suspeitos da doença. 

Uma oca foi separada para abrigar pacientes e os isolar do resto da comunidade. Mesmo com um bom efeito inicial, em julho os casos começaram a disparar. Contudo, os Kuikuro criaram uma própria unidade de saúde.

Fonte: (Reprodução/Internet)

Aplicativo reporta casos e ajuda a monitorar deslocamentos

Assim que os jornais transmitidos na aldeia por meio de um gerador, notificaram que o vírus estava em crescente no Brasil, os indígenas iniciaram o planejamento para retenção do inimigo invisível. O cacique Afukaka iniciou conversas para cuidar e iniciar uma quarentena voluntária na comunidade.

As necessidades dos povos foram colocadas em pauta. Os moradores da Ipatse precisam viajar em torno de 160 quilômetros até cidades do entorno, como Gaúcha do Norte e Canarana para comprar alimentos não produzidos na aldeia, equipamentos para a realização da pesca e combustível para os barcos.

Um aplicativo criado por um grupo transnacional de cientistas e pesquisadores sociais mapeava esses deslocamentos. A plataforma já continha sítios arqueológicos, regiões cultivadas e áreas com risco de desmatamento e incêndios. Então, o software foi adaptado para reportar casos suspeitos da Covid-19.

Fonte: (Reprodução/Internet)

Para mitigar o deslocamento, que é principal causa do aumento de casos na comunidade, ações foram organizadas para realizar a entrega dos produtos necessitados na aldeia. Os próprios indígenas produziram vídeos no idioma dos povos, Karib, para que a intermediação da informação fosse feita.

“Queríamos entender o porquê da saída da aldeia para conseguir diminuir a circulação. 70% dos indígenas iam na cidade pra comprar alimento e combustível. Começamos a distribuir isso e de fato a gente viu uma redução drástica […] As viagens que continuaram foram de tratamento de Saúde, de gestantes […]”, explica Bruno Moraes, pesquisador social. 

Técnicos geoespaciais trabalham no sistema de informações dos viajantes indígenas e na apresentação de sintomas dos mesmo. Ainda, três indígenas alimentam o aplicativo com informações internas.

Indígenas e pesquisadores criam própria unidade de saúde

Uma grande oca foi construída para servir como local de isolamento de pacientes infectados. Na cultura dos Kuikuros, quando um membro adoece, pode existir alguma enfermidade espiritual. Portanto, esta comunidade tende a se recuperar em casa. Por isso, a área serviu para a quarentena dos viajantes, que permaneciam no local até a verificação de que não foram contaminados.

Uma construção de alvenaria foi feita para adaptar uma unidade de saúde para o povo. Através de doações que alcançaram cerca de 200.000 reais, foi possível a compra de medicamentos, cilindros de oxigênio e camas.

Ainda, um ambulatório com uma médica e um enfermeiro, foi instalado na comunidade. Yanama, presidente da Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu, disse que a equipe médica enviada pelo governo federal trouxe segurança pro povo, e ainda elogiou a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), que também envia médicos em rodízio por comunidades.

Medidas se tornam referência

A ideia da Ipatse se tornou referência para outras seis aldeias. A médica Giulia Parise Balbão, se comunica com outras comunidades para reforçar as orientações de prevenção ao coronavírus. Com isso, o aplicativo somou dados de outros povos do Parque do Xingu.

“Já começamos a fazer o monitoramento destas aldeias vizinhas também. O tratamento mesmo deve ficar concentrado na Ipatse, mas esperamos conseguiu contratar mais médicos para dar essa assistência a 12 aldeias.”, ressalta Bruno Moraes.

Fumaça dos incêndios do Pantanal prejudica quadro respiratório

A aldeia Itapse lida com mais uma adversidade: os impactos das queimadas no Pantanal. O Parque do Xingu é um dos locais próximos da tragédia ambiental, e a maior preocupação é com a saúde da comunidade.

Fonte: (Reprodução/Internet)

A situação não é grave como nas aldeias situadas no Pantanal, que foram retiradas de suas terras por conta dos incêndios. Porém, os indígenas e pesquisadores já afirmam que a fumaça está piorando a situação respiratória dos moradores contaminados de aldeias como a Mayene, que se encontra a 20 quilômetros da Itapse. 

“Nenhuma aldeia foi evacuada, por enquanto. Estamos trabalhando com o instituto IPAM Amazônia pra coordenas com os brigadistas do Ibama para tentar amenizar a situação”, explica Bruno Moraes, a prevenção já planejada.

Últimos levantamentos das mortes de indígenas

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já registra 818 mortes causadas pela Covid-19. Os casos de contaminação entre indígenas está em crescimento. Na aldeia Ipatse, por exemplo, o início dos casos vieram de usuários da unidade de saúde da cidade.

Acredita-se que os primeiros contaminados receberam alta antes do momento correto. Além disso, após irem à um enterro, outros moradores sentiram sintomas. Ao total, 77 casos foram confirmados na aldeia.

O cacique e uma idosa de 90 anos contraíram a doença e conseguiram se recuperar, mesmo sendo do grupo de risco. A preservação dos velhos é uma prioridade na comunidade, visto que as histórias são repassadas pelos anciãos. Com o exemplo de coletividade, a aldeia quer manter o número de mortos pelo coronavírus em zero.

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